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Como viver assim?

O tempo foi passando, até eu conhecer a Camilla e começar a sair do buraco fundo que eu mergulhei o processo foi longo. Foram meses imaginando que todos a minha volta me olhavam e sentiam nojo de mim. Minhas roupas eram cada vez mais largas na tentativa de esconder a urostomia. A urostomia nada mais é do que um buraquinho ao lado direito da minha barriga, por onde sai o xixi, que vai pra uma bolsa coletora e eu vou esvaziando conforme enche. Eu não tenho mais bexiga. Eu nunca mais vou fazer xixi pelos meios normais. Eu nunca mais vou saber a sensação de estar com a bexiga estourando pra fazer xixi. Isso nunca mais vai acontecer porque infelizmente não existe transplante de bexiga. E eu tive que aprender a lidar com isso. Eu tive que aprender a lidar com a minha urostomia. Tive que aprender a trocar, fazer a higiene, tudo. Eu nunca aceitei a minha uro, com o tempo eu fui aprendendo a conviver com ela. Com o tempo eu fui descobrindo quais tipos de roupa podia e não podia usar. No início eram calças de abrigo e moletons, largos pra não ter perigo de ninguém notar o volume quando ela começasse a enxer. Depois eu fui pro jeans, e percebi que dava sim pra usar, era só ir ao banheiro mais seguido. Passei a comprar jeans de cós alto, e claro, as batinhas. As batinhas e eu éramos inseparáveis! Até que chegou o verão, e o meu medo virou pânico. Como lidar com o verão? Praia? Short? Biquini? Os shorts logo consegui resolver, encontrei uns de cós alto e eles viraram meus xodós! Mas o biquíni, ah, o biquíni não tinha jeito... Eu nunca mais usaria um biquíni. Fui atrás de maiôs. Os maiôs naquele ano foram meu jeito de ir a praia, mas é claro que quando eu podia evitar de ir a praia, eu evitava. Eu detestava o fato de não poder colocar um biquíni e de não poder entrar no mar ou na piscina. Eu achava que nunca mais conseguiria tomar um banho de mar ou de piscina na minha vida. 
As consultas de rotina na urologia eram uma vez por mês, até chegar setembro, quando me deram a notícia de que o meu corpo estava livre do câncer, e foi o dia mais feliz pra mim, meus amigos fizeram aquela festinha, a gente chorou, e eu achei que tinha acabado. Continuei aproveitando a minha vida. E como aproveitei! Naquele fim de ano havia uma produtora em Porto Alegre que estava trazendo muitos shows bons pra cá, e eu, a Camilla e a Dani fomos em todos eles. Nós aproveitamos muito mesmo! Eu não me arrependo de nenhum segundo do que vivemos, e sou muito grata a elas por terem feito eu aproveitar a minha vida da melhor maneira! Até que em dezembro, em uma consulta de rotina na urologia, eu tossi na frente do Dr. Ricardo, que na hora questionou a quanto tempo estava com essa tosse, e eu respondi: - "Ela me acompanha já faz um certo tempo, na verdade desde que tive a pneumonia quando fiz a cirurgia, ela nunca curou bem, ela vem e vai."
E então ele resolveu investigar, por garantia, pediu um raio x pra ter certeza se a pneumonia tinha curado, e também porque na consulta em que disseram que eu estava livre do câncer, eles também me deixaram ciente do risco do meu tumor voltar, e haviam três possíveis lugares pra isso acontecer: pulmão, coluna e cérebro. As chances eram pequenas, mas haviam. Então eu fui fazer o raio x, mas estava tranquila, ninguém alarmou de que a tosse seria indicativo de algo mais sério, a princípio era uma gripe ou a pneumonia mal curada. No momento do exame a radiologista pediu que tirasse a blusa e o sutiã. Bateu o raio x e voltou pra me questionar se eu tinha algum metal ou algum piercing no peito, e é claro que eu não tinha. Nesse momento eu já fiquei desconfiada. Voltei uma semana depois pra ver o resultado dos exames, e o que eu mais temia aconteceu... A minha alegria durou pouco, 8 meses pra ser mais exato.
O câncer tinha voltado. Meu pulmão agora era a nova casa do tumor...

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