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2012, o ano de mil anos

5 dias depois que minha irmã mandou fazer a peruca, ela ficou pronta. Ficou perfeita, igualzinha ao meu cabelo antes de cair, quase não dava pra perceber que era uma peruca. Eu nunca vou poder agradecer a minha irmã, por tudo que ela fez por mim!
Após aquilo os médicos estavam numa sinuca de bico, não sabiam o que fazer, não tínhamos opções, haviam esgotado todas. Mas minha irmã não se conformou tão fácil e resolveu buscar uma segunda opinião. Foram ela e a mãe, em uma consulta com o Dr. Carlos Henrique Barrios, do Centro de Pesquisa da PUC, explicaram meu caso e ele se interessou. Folhando uns exames antigos ele notou o nome de uma médica amiga sua, na mesma hora pegou o telefone e ligou pra ela: - Ana, você lembra do caso de uma menina, assim, assim, assim, de tal ano, que foi tu que laudou?" , a médica lembrou, e então ele pediu que ela enviasse pra ele todo material que ela tinha guardado (e por um milagre de Deus ela tinha guardado), pra que ele enviasse para o Japão, porque dependendo do resultado que desse nesses exames, ele achava que tinha uma medicação compatível para o meu caso. E essa foi a luz no fim do nosso túnel. Corremos para conseguir as lâminas, para enviar, e aí veio a espera pelos resultados. Essa espera foi cruel.
Foram mais ou menos 3 meses de espera, entre o envio das lâminas, o resultado dos exames, e a liberação da medicação pela Anvisa. Na época cada potinho do remédio custava cerca de 70 mil reais, pago pelo Centro de Pesquisa. Não fosse o Centro de Pesquisa eu talvez nem estivesse aqui contando essa história pra vocês! 
Quando esse remédio chegou eu estava no pior momento, já não mexia mais as duas pernas, estava com 65kg e a dor que eu sentia era insuportável! A metadona tinha dias que 3 comprimidos de 10mg por dose não faziam mais efeito. E então eu comecei a tomar o Crizotinib... E foi o Crizotinib que me deu a chance de viver!
Eu comecei a tomar o remédio entre Setembro e Outubro de 2012 e logo nas primeiras semanas já pude sentir o efeito do remédio na redução da dor! Era inexplicável o quanto o remédio reduzia a minha dor! Os médicos do Conceição não aceitavam bem a ideia de outro médico no caso, e pior ainda uma medicação experimental, eles relutaram muito, ficaram bravos, ofendidos, não acreditavam no resultado.
Até que um imprevisto aconteceu e deu mais motivos pra eles desconfiarem do remédio. 
Certo fim de semana eu, minha mãe, minha irmã, meu cunhado e uma amiga deles, íamos viajar até Igrejinha -RS, em um Centro Espírita, onde um medium muito famoso estaria atendendo naquele fim de semana, e eles queriam me levar. Íamos sair de casa muito cedo, então a mãe acordou de madrugada, uma noite muito fria, e foi me arrumar, me vestir, e eu reclamava de muita dor de cabeça, dizia que não queria ir porque minha cabeça estava doendo demais. A mãe conta que no início até achou que era preguiça minha, porque na noite anterior quando fui dormir estava bem. Até que ela me convenceu, levantei, ela me vestiu, minha irmã chegou e quando estávamos saindo que meu cunhado estava levando minha cadeira até o carro, eu gritei pra parar porque eu ia vomitar. Minha irmã correu pra pegar um balde pra não sujar a roupa, e a última lembrança que tenho é da ânsia, e então apaguei. Tive uma convulsão na porta de casa.
Meus irmãos que estavam dormindo ouviram os gritos e saíram correndo. Meu cunhado me pegou da cadeira, colocou no carro e saiu voando pro hospital. Meu irmão pegou a chave do carro e já estava saindo só de cueca, coitado, foi enquanto minha cunhada gritou pra ele no meio da rua, entrar e vestir uma calça. Minha irmã e minha mãe foram no carro atrás. Lembro de acordar no caminho até o Conceição, e meu cunhado pedir pra mim não dormir, ficar com ele, mas era mais forte que eu, eu apagava e voltava.
Chegando no Conceição eles me internaram pra descobrir o motivo da convulsão, e é claro que suspenderam o remédio pois era o principal suspeito dos médicos de lá.
Com a suspensão do remédio a dor veio com toda força de novo. Eu literalmente gritava de dor. Eu implorava pra eles deixarem eu tomar o remédio, mas eles não deixavam, achavam que era mentira, que o remédio não tirava minha dor. Até que num domingo, depois de eu gritar quase 3 dias de dor, minha cunhada chamou o residente que cuidava de mim na época e pediu pra me dar o remédio, e ele disse pra ela que eu já estava com a dose máxima de morfina, que não poderia me dar mais nada. Ela então insistiu que não era da morfina que ela estava falando, e sim do remédio da PUC, foi quando ele foi um tanto quanto indelicado, digamos assim, e disse pra ela que ela e a minha família tinham que se conformar, porque eu era uma paciente terminal, que eu estava em fase terminal e não havia mais nada a fazer comigo.
O problema é que um residente não tem autoridade pra falar isso pra familia de um paciente, muito menos recusar tratamento. E então minha cunhada engrossou com ele: - "Pois é Dr. Fulano, vocês dizem que não tem mais o que fazer com a Thaís, mas eu convivo com ela, nós convivemos com ela todos os dias, nós sabemos a gravidade da doença dela, não precisamos que ninguém fale, e nós sabemos também que o remédio tira a dor dela. Ela está a quase 3 dias gritando de dor, e se vocês não tem mais o que fazer com ela, se ela está morrendo, porque não deixam ela tomar o remédio? Porque não deixam ela com o mínimo de conforto, sem dor? A gente viu ela melhorar inexplicavelmente com o remédio, até ela convulsionar e vocês implicarem isso ao remédio, e o resultado é esse aí, a guria a 3 dias gritando de dor e vocês só olhando. Eu vou dar o remédio pra ela sim, com ou sem a autorização de vocês".
Depois dessa discussão com o residente, meu pai resolveu ligar pro Dr. Gustavo, o chefe da equipe, e contar o que estava acontecendo, e ele quando soube em pleno domingo, correu pro hospital e em meia hora estava lá, me deu o remédio e não saiu do meu lado enquanto ela não fez efeito, só foi embora quando a minha dor passou. Ele pediu mil desculpas pra minha familia, falou que o Dr. fulano não tinha o direito e nem a autorização pra fazer o que ele fez, e afastou ele do meu caso. 
A partir desse dia a equipe do Conceição e a da PUC começaram a trabalhar juntas, e os resultados não demoraram a aparecer! A dor ainda estava presente, mas controlada com a metadona, nos primeiros exames o tumor havia parado de crescer, o que já foi a primeira vitória, pois ele vinha crescendo descontroladamente! 
Agora era só questão de tempo...
2012 foi 10 anos dentro de 1! Foi o ano mais difícil da minha vida! Mas dizem que quando você chega no fundo do poço a única opção é voltar a subir, né?! E foi exatamente o que aconteceu...

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